Cada um tem o Camões que merece
Já faz mais de uma semana que a Selecção portuguesa, baptizada por Carlos Queiroz com o nome de Navegadores, se encontra na África do Sul. Surpreendentemente, ainda nenhum poeta se ofereceu para narrar em verso a epopeia destes navegadores, cujo cognome evoca outros que, mais ou menos no mesmo sítio, viveram aventura igualmente emocionante - mas tiveram a sorte de arranjar bardo que os cantasse. Soubesse eu fazer decassílabos e, com boa vontade, tomaria nas mãos a tarefa de transformar em poema épico os heróicos feitos da equipa nacional nesta passagem, cerca de 500 anos depois, de novos navegadores pelo Cabo da Boa Esperança.
Creio que o trabalho não seria demasiado difícil. Em lugar do clássico início «As armas e os barões assinalados» talvez se justificasse uma referência a episódios mais actuais: «As armas que os jornalistas assaltados / na meridional praia africana», etc. Neste campeonato do mundo tão rico em tácticas defensivas e empates, é refrescante encontrar alguém que esteja realmente interessado em atacar, e até agora os bandidos têm sido dos poucos a atacar com arreganho e consistência. Nem que seja só por isso, merecem a simpática menção.
A segunda estrofe começaria, provavelmente, com a tradicional evocação à musa. Excepcionalmente, o poeta não pediria ajuda para si. Camões pediu à musa dele que o ajudasse a escrever; o vate dos novos navegadores pediria à sua musa que ensinasse a equipa a jogar. É uma questão de prioridades e, de facto, os jogadores precisam mais de ajuda do que o bardo. À medida a que o canto avança, o melhor seria comparar os actuais navegadores com aqueles que lhes deram o nome. Os navegadores do século XVI e os do século XXI postos frente a frente, para ver quais são os mais valentes. «Escorbuto e fome nas caravelas / São nada a comparar com as vuvuzelas». Com todo o respeito para com o escorbuto, duvido que seja mais incomodativo que um estádio cheio daquelas cruéis cornetas.
O homólogo de Vasco da Gama na epopeia de hoje seria, creio, Carlos Queiroz, pelo que o poeta lhe daria especial atenção. «Da táctica não sabe o bê-á-bá / Mas queixa-se da tala do Drogba» poderia ser o princípio de uma visita à personalidade do nosso herói. Quem sabe se Manuel Alegre, que em tempos dedicou um poema a Figo, não poderá cantar agora o Queiroz em lugar do Gama?
Mesmo sabendo que quase só se fala da Selecção, sinto-me obrigado a referir outro assunto: o Sporting. Um cronista não pode falar apenas dos grandes temas, e além disso desta vez vem mesmo a propósito. O Sporting acaba de apresentar três reforços, dois dos quais são o Maniche. Ainda estive tentado a contar os duplos queixos do novo jogador do Sporting, mas não tinha a máquina de calcular à mão e desisti. Se, prosseguindo esta política de contratar estrelas do passado, o Sporting contratar Rochemback, ninguém passará pelo meio campo do Sporting. Não pela eficácia das marcações, mas porque não haverá mesmo espaço para passar.
Por Ricardo Araújo Pereira, 19 de Junho de 2010 in jornal A Bola
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