terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Entrevista a João Vieira Pinto



Um dos mais geniais jogadores portugueses de todos os tempos passa em revista uma carreira tão notável quanto atribulada. Do Bairro do Falcão ao topo do reconhecimento internacional, eis o trajeto de um artista que, penduradas as botas, deseja que a história seja generosa com ele.

RECORD - Tem saudades dos tempos em que foi jogador de futebol?
JOÃO VIEIRA PINTO - Acredito que todos os antigos futebolistas sentem falta dos dias mais felizes das suas vidas. Mas encaixei bem a mudança até porque a decisão não foi tomada de um dia para o outro. Depois arranjei ocupação que me obriga a interessar-me pelo futebol e a estar ligado ao fenómeno: há ano e meio que sou comentador desportivo.

R - Isso ocupa-lhe todo o tempo?
JVP - Não, tenho tempo para mim, para a família, para ser vice-presidente do sindicato dos jogadores e até para um cargo que desempenho há pouco tempo: sou administrador da Gaianima, empresa da Câmara Municipal de Gaia, responsável por eventos culturais e desportivos, com responsabilidades no âmbito do desporto escolar e na gestão de equipamentos como estádios, pavilhões e teatros. À imagem da minha carreira, na qual não programei qualquer passo, aconteceu sem esperar.

R - Quando olha para trás vê-se mais vezes com que camisola?
JVP - Com todas. Respeitei cada clube em que joguei e defendi intransigentemente todos os emblemas que defendi. Não tenho preferência, o que é uma vantagem para aquilo que faço hoje. A minha preocupação foi ter independência financeira para decidir sem pressões. E isso foi conseguido.

R - Não existe para si um João Pinto do Benfica ou do Sporting...
JVP - Não, não existe. Quando fui para o Sporting sabia que a relação dos adeptos benfiquistas ia ser quebrada - viram-me a festejar títulos com a camisola do rival. Mas também tinha consciência de que não podiam ver-me como sportinguista atendendo ao passado que tinha na Luz.

R - Não tem clube?
JVP - Sou do Sp. Braga, que é o clube do meu filho.

R - Por pouco não se cruzava com ele nos relvados. Gostava que isso tivesse acontecido?
JVP - Já falámos sobre o assunto. Teoricamente era uma situação engraçada mas na prática não sei se teria assim tanta piada. Não fazia grande questão de jogar com o Tiago e ele sente o mesmo. Gostávamos de fazer um jogo e ficar por aí. É diferente estar num balneário com o nosso filho. Creio que não estaríamos à vontade. Podia ser constrangedor.

R - Voltando um pouco atrás, o Pauleta diz que é da Seleção Nacional...
JVP - Bem vistas as coisas, estive mais tempo ao serviço da Seleção do que em qualquer clube.

R - Também por isso a despedida não foi a mais feliz. Lamenta o que sucedeu?
JVP - A minha carreira foi manchada por aquela expulsão no Mundial'2002. Foi o princípio do fim do estrelato: deixei de ir à Seleção, a época no Sporting não correu bem e, no fim, troquei um grande pelo Boavista... Enfim, espero não ser recordado só pelo que fiz na Coreia. Arrependo-me da atitude que tomei, até porque fui o mais prejudicado. Sei que foi um momento marcante, difícil de esquecer, mas talvez o futuro seja generoso e o dilua entre as muitas coisas boas que fiz.

R - Já falou com Gilberto Madaíl depois disso?
JVP - Telefonou-me quando anunciei o fim da carreira. Tive pena que fosse só nessa altura mas, já diz o povo, mais vale tarde do que nunca. De qualquer modo, o assunto Mundial está ultrapassado. Sei que não foi coincidência ter sido afastado da Seleção, sempre entendi que o assunto devia ter sido conduzido de outra forma e fiquei abalado com a indefinição, mas já lá vai.

R - Os árbitros foram uma sombra na sua carreira?
JVP - Apanhei uma época muito agitada, carregada de suspeições à volta daquele sector. Talvez tenha sido essa a origem dos meus conflitos com grande parte dos árbitros. Mas a culpa também era minha, porque exagerava, mesmo tendo razão em boa parte das vezes. A verdade é que senti-me perseguido em determinadas fases e, principalmente quando cheguei ao Boavista, fiquei desprotegido e à mercê de vinganças inaceitáveis. Não tenho boa imagem dos árbitros e é por isso que, nos meus comentários, nunca falo sobre arbitragem.

R - Há algum caso que considere particularmente grave?
JVP - Não esquecerei um árbitro que me expulsou injustamente e a rir. Só não digo o nome dele porque ainda está no ativo.

R - Simulou penáltis?
JVP - Simulei alguns. Pertenço a uma geração que cresceu como se isso fosse uma arte. O estímulo ao engano é instintivo. Mas, já que fala nisso, também sofri muitos que os árbitros não marcaram. Numa época, ao serviço do Sporting, levei 10 amarelos, 7 dos quais por simulação de penáltis. Quatro foram mesmo falta, três não. Eles já não sabiam o que fazer.

R - Marcou algum golo com a mão?
JVP - Não. Com a mão nunca marquei.

R - Não acha que esses conflitos foram reflexo de ter sido mais do que um mero jogador?
JVP - No Benfica tomei posições e envolvi-me em conflitos institucionais que me desviaram do relvado, mas no Sporting, por exemplo, tive sempre muito cuidado com o que fazia e dizia. Tinha 30 anos, já não era um garoto e estava escaldado com o que me acontecera na Luz. Queria apenas jogar futebol, aquilo que melhor sabia fazer, e da minha boca só saíram palavras de união. E era verdade: estava ali para ajudar e unir os adeptos. Mesmo sendo sincero, a parte mais difícil era eles acreditarem no que eu lhes dizia.

R - E acreditaram?
JVP -Não tenho dúvidas quanto a isso.

R - Por que motivo escolheu o Benfica quando saiu do Boavista pela segunda vez?
JVP - Tive contactos com Sporting e FC Porto desde muito novo. Tudo começou num torneio em Évora, ainda como iniciado. Fui o melhor jogador e alvo do interesse de Aurélio Pereira (grande mestre do futebol) e do senhor Manuel Ferrão, falecido há cerca de uma semana. Quiseram levar-me então para Alvalade. E o mesmo aconteceu com o FC Porto. Lembro-me das viagens de comboio que fazia do Porto para Lisboa com o senhor Costa Soares, elemento da formação portista, em que ele tudo fez para me levar para as Antas.

R - Não foi porquê?
JVP - Porque o major foi sempre intransigente. Nunca deu a mínima hipótese de conversa e eu próprio também não estava inclinado a aceitar convites. Sempre segui o raciocínio segundo o qual era muito mais difícil chegar a sénior no FC Porto, no Benfica ou no Sporting do que no Boavista. Para o meu objetivo de chegar à Liga, estava bem no Bessa. Sempre entendi que a transferência tinha tempo para acontecer.

R - E o que desequilibrou os pratos da balança para o Benfica?
JVP - Estava em estágio com a Seleção, em Chicago, em 1992, quando soube de um acordo entre o major e Sousa Cintra, na altura presidente do Sporting. Cintra e Manuel Fernandes foram ao hotel ter comigo dando-me conta que estava assinado um acordo entre os clubes e que só faltava a minha assinatura para consumar o acordo. Ouvi mas não tomei qualquer decisão. Preferi esperar um pouco.

R - Por algum motivo especial?
JVP - Não, apenas porque queria um pouco de tempo. Dias depois, soube que o Benfica também estava interessado em mim. Lembro-me perfeitamente porque soube a notícia quando me encontrava no último andar daquele que era, à época, o edifício mais alto do Mundo. Não sei explicar mas pareceu-me premonitório. Optei pelo Benfica e em boa hora o fiz.

R - Como decorreram as primeiras semanas na Luz?
JVP - Quando cheguei deparei-me com um clube enorme e uma equipa experiente, recheada de grandes jogadores como Mozer, Vítor Paneira, Veloso, Neno, Silvino, Rui Águas, entre outros. Tive algumas dificuldades iniciais, eu, como o Rui Costa, o Hélder e o próprio Mostovoi... O treinador era o Ivic, uma pessoa peculiar. Percebi logo que não iria ser primeira opção. Comecei a jogar na chamada equipa Coca-Cola, a dos suplentes, e não estava a achar graça àquilo.

R - Chegou a pensar em sair?
JVP - Pensei, pensei. Antes de um jogo no estágio na Suécia, estava na bancada com o Mozer e disse-lhe que ia regressar ao Boavista, porque a minha ambição era jogar e ali não teria hipóteses. Lembro-me que ele ouviu e respondeu-me com impressionante serenidade: "Calma garoto, as coisas mudam muito rapidamente. Dá tempo ao tempo que a tua hora vai chegar." Lá me fui aguentando, a treinar como sempre, mas sem grande esperança.

R - Quando é que chegou a sua hora?
JVP - Nada me indicava que seria titular no primeiro jogo do campeonato. Estava na cabina quando ouvi o meu nome no onze. Fiquei surpreendido mas deitei mãos à obra. Lá está, por isso digo que também fui bafejado pela sorte. No jogo em que precisava de me afirmar, joguei e marquei o golo da vitória na deslocação a Santo Tirso - ganhámos 2-1, num terreno tradicionalmente complicado.

R - Nessa época sofreu o pneumotórax. Lembra-se do que passou na altura?
JVP - De todas as lesões que sofri, essa foi a única a pôr em risco a própria vida. As outras foram mais osso menos osso partido, mais ligamento menos ligamento rompido, enfim, afastaram-me dos relvados mas não beliscaram a minha integridade. No início não me preocupei, porque não me apercebi da gravidade do estado de saúde.

R - Nem devia ter feito a viagem para a Escócia...
JVP - Pois não, foi um risco quase inconsciente. Podia ter-me ficar no avião. Fiz a viagem toda a dormir e quando cheguei ainda fui treinar-me. Dei meia volta ao campo com o Rui Águas, que também estava lesionado, e ele disse-me: "Vê lá se te aguentas, porque eu não vou conseguir jogar." Ouvi-o e respondi: "Nem penses nisso, eu estou muito pior do que tu." Parei logo a seguir, fui para o hotel e, porque as dores continuavam, levaram-me a uma clínica. Aí é que tomei verdadeira consciência do que estava a passar-se. Bastou-me olhar para a cara dos médicos para perceber tudo.

R - Essa temporada culminou com a final da Taça de Portugal ganha ao Boavista (5-2). Que análise faz a essa equipa do Benfica?
JVP - Uma equipa fabulosa. O campeonato não correu bem mas a vitória na Taça compensou um pouco a frustração - era sempre importante ganhar uma competição. Futre, Rui Costa, Mozer, Paulo Sousa, Isaías, Paneira, Schwarz... meu Deus, era um luxo. Talvez o problema fosse não funcionarmos muito como equipa, porque em termos individuais tínhamos tudo para sermos campeões.

R - Poucos dias depois dessa final, nasce o chamado Verão Quente na Luz...
JVP - A memória desse momento é que o Benfica passava por uma crise tremenda. O presidente era o falecido Jorge de Brito, excelente homem e grande dirigente, mal ajudado e compreendido, a quem sempre reconheci fantástica dedicação ao clube. Aos 21 anos, apercebi-me das dificuldades e preocupei-me. Por vezes, alguns companheiros davam-me a entender que a situação era catastrófica e que estavam prontos a sair. Depois alertavam-me para o facto de estar mal pago em comparação com outros que nem sequer jogavam, enfim, fui também eu fazendo a minha avaliação.

R - Quando decidiu que também estava disposto a sair?
JVP - Não houve um dia em especial. Também sabia que os salários estavam atrasados e que era cada vez mais difícil esse cumprimento básico por parte do clube. Quando o Sporting entrou em contacto comigo, o que me disseram taxativamente é que tinha justa causa para rescindir o contrato com o Benfica. E foi nessa perspetiva que avancei.

R - Mas era ou não verdade que podia?
JVP - Mais tarde disseram-me que, de facto, não havia justa causa - e se assim fosse, teria de ser eu a pagar uma avultada indemnização ao Benfica. Depois de falar com responsáveis fiquei a saber que o clube não estava assim tão debilitado como se dizia, que não estava à beira da ruína como o pintavam. Quando me apercebi do que tinha feito e da situação em que me encontrava, entrei em contacto com o presidente Jorge de Brito, que foi ter comigo a Espanha, para onde me desloquei após a assinatura do compromisso com o Sporting. Regressei então à Luz e assinei um novo contrato com o Benfica.

R - À distância de 16 anos, acha que esse episódio teve alguma influência na grande época que fez em 1993/94?
JVP - Não creio que as duas coisas estejam relacionadas. De qualquer modo essa foi uma temporada fantástica, porque o Benfica foi campeão e as coisas correram-me muito bem - fiz 34 jogos, marquei 15 golos e sei que contribuí fortemente para o sucesso da equipa.

R - Andou mesmo com o Benfica às costas durante aquelas épocas de jejum?
JVP - Essa expressão, que ouvi centenas de vezes, era um exagero. Por um lado encerrava o reconhecimento do meu valor, por outro aumentava a responsabilidade. Não vou agora comentar o conteúdo, digo apenas que era uma forma dos outros me distinguirem em tempos muito complicados para o Benfica. Não se esqueça de que em dois anos tive 40 e tal companheiros diferentes.

R - As consequências do título solidificaram elos de ligação ao clube. Em janeiro de 1997 assinou o célebre contrato vitalício com o Benfica...
JVP -Assinei por 7 anos (4 mais 3), que era o máximo permitido por lei. Depois do título em 1994 eu tinha vontade de continuar e o Benfica, na figura do presidente Manuel Damásio, também. Mais: ambos desejávamos que terminasse a carreira na Luz. Mas o que faz mover o futebol são os resultados e o que se faz hoje pode cair no esquecimento logo a seguir. Sem ganhar num clube como o Benfica a imagem degrada-se. Enquanto o presidente foi Manuel Damásio, o clube preservou o meu estatuto junto da direção, dos treinadores, dos adeptos...

R - Tudo mudou com a mudança de presidente?
JVP - Com a chegada de Vale e Azevedo tornou-se impossível a minha permanência no clube. Muito aguentei eu.

R - Quando percebeu que tinham chegado problemas insolúveis?
JVP - Antes mesmo de ele chegar. Há uma história curiosa, que por vezes recordo com o Rui Costa. Estávamos no Euro'96, em Inglaterra, e o Rui era o meu companheiro de quarto. O Vale e Azevedo candidatou-se à presidência pela primeira vez e queria contratá-lo. Num dos telefonemas que ele fez estávamos os dois no quarto. Disse ao Rui que gostava de o ver regressar (até aí tudo bem), que ia ser o capitão de equipa e mandar naquilo tudo... Acabou por não ganhar mas anos depois, quando chegou à presidência, bastou lembrar-me desse telefonema para antever o que me esperava.

R - Foi exatamente como esperava?
JVP - Foi pior. No primeiro dia de Benfica chamou-me à parte e disse-me que tinha de ir embora porque se não o clube ia à falência. Ainda me aguentei e resisti o mais que pude à pressão que foi exercendo quase diariamente.

R - De que forma?
JVP - Com palavras e atitudes que acabaram por envolver os próprios treinadores - Souness e Heynckes. Ir todos os dias para a Luz começou a ser um castigo.

R - Houve possibilidades de sair nessa altura?
JVP - Talvez tenha havido. Numa altura em que tinha sido operado ao maxilar, quando nem sequer conseguia falar, chamou-me ao escritório dele. Informou-me que me tinha vendido ao Deportivo Corunha, para eu falar com eles e decidir o meu futuro. Assim, de caras, sem o mínimo respeito, mais que não fosse pelo facto de eu não poder falar. Dessa vez resisti, também porque os adeptos se movimentaram, mostrando publicamente que desejavam a minha continuidade.

R - Mas esse apoio não durou até ao fim...
JVP - Os focos de instabilidade sucessivos, acompanhados pelos maus resultados, conduziram à divisão da massa associativa. Percebi claramente que, aos poucos, fui deixando de ter condições para continuar.

R - A saída era mesmo inevitável?
JVP - Acredito que sim. Mas só saí porque o fiz livremente, antes de um Campeonato da Europa. Aceitei porque ainda tinha mercado e, escudado nessa vantagem, arrisquei. A partir do momento em que rescindi com o Benfica, num domingo, com a célebre notária de Vale e Azevedo, marquei a conferência de Imprensa, no fim da qual recebi o contacto de dois clubes que me agradaram.

R - Que foram...
JVP - O Sporting de Augusto Inácio e o Newcastle de Bobby Robson. Era muito cedo para decidir mas fiquei muito feliz por saber que tinha alternativas automáticas. No entanto, preferi fazer o Europeu e só depois tomar a decisão definitiva.

R - Vale e Azevedo foi o maior pesadelo da sua carreira?
JVP - Quando foi para o Benfica, percebi que não via caras nem corações. Ele falava connosco nos olhos mas não sabíamos se estava a falar a sério ou a mentir - normalmente era a mentir, sobretudo a mim quando me chamava para dizer que ia pagar os salários aos jogadores no dia X e depois só passado um mês é que o dinheiro aparecia. A partir de uma certa altura tive de dizer aos companheiros que o meu papel era o de lhes transmitir o que o presidente me dizia. Se ia pagar ou não, não fazia a menor ideia. No fim, já ninguém acreditava nele. Vistas as coisas à distância de tantos anos, no Benfica meti-me em guerras que não eram minhas. Dei sempre a cara como capitão mas em certos conflitos devia ter-me refugiado. Serviu-me de exemplo para o futuro, principalmente quando fui para o Sporting.

R - Houve ainda aquela história do contrato por objetivos...
JVP - Exatamente. Chegou-se ao pé de mim e disse-me que, como capitão, tinha de assinar um vínculo igual aos outros, para dar o exemplo. Na altura tinha o meu contrato e respondi que ia cumpri-lo até ao último dia. A ideia era transmitir que, no Benfica, o jogador só recebia se ganhasse os jogos. A proposta que me fez foi esta: mantinha o contrato e aumentava a verba em caso de vitória, ou seja, passava a ganhar muito mais. Disse-lhe: "Se era para isto já podia ter-me chamado há mais tempo." Esse disparate só para poder anunciar que também eu tinha contrato por objetivos.

R - Souness refletia no dia-a-dia esse desejo institucional de o verem pelas costas?
JVP - Olhava para ele como para o presidente. Não o via como meu treinador porque ele estava ali para me tramar, para me entregar recados de alguém. E como o fazia? Criando problemas sucessivos que chegaram ao ponto de não me pôr a jogar. Nesse capítulo, o Souness foi o braço direito de Vale e Azevedo.

R - Depois ainda trabalhou com Jupp Heynckes. Os problemas foram os mesmos?
JVP - Na sua essência foram, mas o Heynckes foi mais inteligente a fazer as coisas. Menos visível para quem estava de fora mas com um comportamento claro para quem vivia o clube por dentro. Diria que a toada foi a mesma.

R - Para todos os efeitos foi ele quem avalizou tecnicamente a sua saída do Benfica...
JVP - Sim, mas passados uns dias, estava no Europeu, telefonou-me a dar os parabéns pelo golo à Inglaterra e para dizer que nada tinha a ver com a minha dispensa.

R - Acreditou nele?
JVP - Quando ele telefonou o golo à Inglaterra já lá morava e eu já estava dispensado do Benfica. Não acreditei nem deixei de acreditar.

"Andei perto da perfeição"

R - De tudo quanto fez no futebol, o destaque vai para os 6-3 ao Sporting em Alvalade...
JVP - Foi o jogo que marcou a minha carreira e que me vai identificar até ao final da vida.

R - Há alguma história desconhecida relacionada com esse momento?
JVP - Raramente falava com a minha mãe antes dos jogos e se isso acontecia era sobre coisas que nada tinham a ver com futebol. Na véspera desse jogo falámos pelo telefone, dentro do registo habitual - queria saber como me sentia, se estava nervoso ou não. É curioso porque ela nunca se deslocou a um estádio para me ver, preferia assistir aos resumos no final do dia, porque então já sabia que eu tinha chegado inteiro a casa. Isto para chegar à despedida da conversa. Sem vir a propósito, rematou o diálogo com uma frase enigmática: "Vais ganhar, filho." Ainda hoje não sei por que o fez. Mas aquilo saiu tão espontâneo que alguma coisa a impeliu a dizê-lo.

R - Que efeitos teve na abordagem ao jogo?
JVP - Guardei aquilo para mim e fiquei a pensar no significado das palavras. No dia seguinte, quando saímos do hotel no Guincho para o estádio, dei comigo a recordar a premonição da minha mãe. Era um jogo decisivo, estava em causa o campeonato e recordo-me de ir no autocarro em silêncio, concentrado... Quando existe muita pressão, o jogador debate-se com receios, angústias, dúvidas, e é nesses momentos que antecedem a entrada em campo que mais nos entregamos a nós próprios, às nossas reflexões, aos truques que cada um tem para se alhear um pouco do que está para vir.

R - Estava mais bem-disposto ou mais receoso?
JVP - Quando demos um passeio de manhã pelo Guincho ainda estava só bem-disposto, talvez por faltar algum tempo para o jogo começar. O pior é sempre quando vamos para o lanche, antes de entrarmos no autocarro. Quando chegou esse instante tive a perfeita consciência da importância do dérbi. Não podíamos falhar. Estávamos com 1 ponto de vantagem sobre o Sporting, a quatro jornadas do fim e jogávamos em Alvalade.

R - Com esse cenário quase sacro, encontra explicação para o que fez?
JVP - Não consigo explicar. É daquelas coisas que acontecem no momento e dificilmente se repetem. Ninguém é capaz de dizer, com antecedência, que vai fazer este drible assim, entrar na área e rematar. São decisões tomadas em frações de segundo... No primeiro golo nos 6-3, por exemplo, alterei a colocação do pé na bola no último instante. Era para rematar de uma forma e fi-lo de outra. A bola podia ter ido para as bancadas mas entrou no ângulo. Acontece.

R - Que foi o jogo da sua vida todos sabemos. Mas foi o melhor?
JVP - Foi, eu acho que sim. E é interessante porque na primeira meia hora nada me saiu bem. Falhei muitos passes, perdi alguns lances, tive dificuldades nas receções... Até ao primeiro golo não perspetivava uma noite de glória, bem pelo contrário. Depois disso foi um jogo quase perfeito. A perfeição não existe mas nunca andei tão perto dela como nessa noite.

«Quando insultei Souness...»

R - Houve algum episódio mais picante na vossa relação?
JVP - Num jogo com o FC Porto, na Luz, estava eu lesionado. Como capitão desloquei-me à cabina antes do encontro - o Souness tinha acabado de dar a palestra aos jogadores. Entretanto, e como é norma suceder, os elementos do onze dirigiram-se para o túnel, enquanto os outros ficaram um pouco para trás. Eu pensava que era o último, mas o Souness e o Vale e Azevedo atrasaram-se ainda mais. Quando olhei, vi o treinador a apontar para mim e a olhar para o presidente, dizendo em voz alta que eu era um mau profissional. Perdi a cabeça e disse-lhe tudo. Foi a única vez que insultei um treinador.

R - Recorda-se de um jogo em Alvalade que o Benfica venceu 4-1?
JVP - Lembro-me. Fiquei no banco, entrei e fiz o quarto golo.

R - Nesse dia não houve conflito?
JVP - Não me lembro. Mas talvez tenha havido qualquer coisa. Digo-lhe mais: se me fala no assunto é porque houve de certeza. Eles recorriam a tudo para ver se eu saía do clube.

R - Como e porque escolheu o Sporting?
JVP - Escolhi porque tinha acabado de ser campeão, estava numa espiral ascendente e parecia-me um clube muito estabilizado. Por outro lado mantinha-me na Seleção Nacional, continuava a lutar pelo título, não saía do país, não perdia a estabilidade e mantinha um bom contrato.

R - O FC Porto esteve ou não na corrida?
JVP - Sim, ao longo da carreira várias vezes tentou contratar-me, mas a insistência maior aconteceu nessa altura. Foram mais incisivos do que nunca e cheguei mesmo a falar com o presidente Pinto da Costa. Ele já o desmentiu publicamente mas sei também que já o confirmou em círculos de amigos mais próximos. Diga ele o que disser, a verdade é que falei com ele.

R - Isso ainda no Euro'2000?
JVP - A primeira pessoa com quem falei sobre o assunto foi o Jorge Costa. Mas também com o Silvino, com o Vítor Baía e com outros amigos portistas que conheciam bem a realidade do clube e gostavam de ver-me lá. Depois falei com Pinto da Costa e o empenho em contratar-me manteve-se até ao último dia.

R - A decisão estava tomada ou a incerteza durou até final?
JVP - Nesse processo eu estava com o José Veiga, que tinha péssima relação com Pinto da Costa. Ele não sabia do contacto com o FC Porto porque eu não lhe tinha dito e essas dúvidas, existindo, para ele eram só entre o Sporting e clubes estrangeiros.

R - Falou-se muito da abordagem feita por vários clubes de fora mas a sua tendência nunca foi a de arriscar...
JVP - Quando estava na Holanda e na Bélgica apareceram muitas propostas às quais tinha de responder em três dias. Meti na cabeça que enquanto decorresse o Europeu não tomaria qualquer decisão, o que me fez perder algumas boas oportunidades. A grande verdade é que, estando renitente em optar pelo estrangeiro, o interesse de Sporting e FC Porto dava-me tranquilidade absoluta.

R - Quando regressou a Portugal não pôde adiar mais...
JVP - Pois não. Para a ronda final de negociações partiram Sporting, Fiorentina e... FC Porto, cuja presença o José Veiga desconhecia, como já afirmei. Não podia esperar mais e o Sporting apertou o cerco, confiante de que estava só a discutir com a Fiorentina. Foi quando eu disse que o FC Porto também estava na corrida. Ficaram surpreendidos mas quando estamos a negociar cada um olha para os seus interesses.

R - A proposta italiana era boa?
JVP - Estava ao nível das outras. A do FC Porto era a mais elevada, com valores consideráveis e os mesmos anos de contrato. Mas aí prevaleceu o facto de estar em Lisboa há muito tempo e de, então, a dinâmica portista não ser propriamente a melhor - esteve três anos sem vencer o campeonato e eu não sei o que me aconteceria se lá vivesse um ciclo tão negativo. Podia acontecer-me uma situação do tipo Vale e Azevedo, sei lá...

R - Como recorda a sua entrada em Alvalade?
JVP - Foi um momento bonito da carreira. Fui com algum receio mas entrei bem e fui logo muito acarinhado pelos adeptos. O problema é que estava lesionado no tornozelo esquerdo e não podia nem virar-me. Devia parar e tratar-me mas esse era um luxo inacessível para mim: tinha de treinar como os outros. Fazia-o com dores horríveis e lembro-me de ir para o velho campo de treinos, nos terrenos onde está agora o novo estádio, e ver centenas de pessoas a incentivar-me, a aplaudir-me... Não conseguia rodar e muito menos rematar com o pé esquerdo.

R - Nunca pensou em desistir...
JVP - Era impossível. Fui disfarçando o melhor que podia e o próprio Inácio, conhecedor do que se passava, também entendeu que devia fazer o sacrifício. Fui melhorando aos poucos e percebi que as pessoas estavam do meu lado. Mesmo em jogadas banais, os adeptos faziam uma festa de cada vez que entrava em ação.

R - Lembra-se da estreia para a Liga em Alvalade?
JVP - Claro. É o que já lhe disse, a sorte é importante nesta vida. Voltei a tê-la nessa tarde. Ganhámos ao Farense por 1-0 e marquei o golo.

R - Essa época de estreia serve de transição para 2001/02, que rivaliza na sua carreira com a de 1993/94...
JVP - É verdade, curiosamente fiz uma com 21 anos e outra com 30.

R - No seu entender qual foi a melhor?
JVP - Se analisarmos as coisas atendendo ao talento integrado num coletivo, escolho a do Sporting. Se observarmos pela expressão individual em si mesma, diria que foi melhor a do Benfica 1993/94.

R - A época mais goleadora foi em 1995/96, com Mário Wilson...
JVP - Sim, mas nessa época até marquei penáltis, coisa que nunca fiz na minha carreira.

R - Alguma razão especial?
JVP - Na final de um Campeonato da Europa, na Hungria, frente à União Soviética, eu e o Rui Bento falhámos os penáltis no desempate. A partir daí nunca mais quis marcá-los.

R - Mas era uma questão de honra?
JVP - Não, de forma alguma. Dizia sempre aos treinadores que preferia não ter essa responsabilidade mas se eles entendessem o contrário podiam contar comigo. Muitos não entendiam e argumentavam que rematava e colocava bem a bola. Era uma questão de estado de espírito.

R - No Sporting assistiu ao aparecimento de uma nova geração de grandes jogadores: Ricardo Quaresma, Hugo Viana, Cristiano Ronaldo...
JVP - Foram os felizardos, porque apanharam uma equipa forte e com bom ambiente, composta por muitos jogadores portugueses, experientes, que os incentivaram e lhes chamaram a atenção quando foi caso disso. Sem perder de vista um treinador (Bölöni) que também soube ser pedagógico com eles.

R - Porque saiu do Sporting?
JVP - Inicialmente o clube fez-me uma proposta de renovação para metade do que auferia naquela altura. O primeiro erro que cometi foi nem sequer apreciá-la e dar, automaticamente, uma resposta negativa. Outro erro foi não entender o estado em que se encontrava o futebol português, razão pela qual encarei apenas como forma de negociação. Baixar para metade parecia-me um exagero, porque a minha convicção era de que o Sporting podia perfeitamente chegar a valores mais elevados.

R - Mas houve mais oportunidades para se entenderem?
JVP - Entretanto preparava-se uma digressão aos Estados Unidos e uma das condições era eu estar presente. Antes da partida agendámos uma reunião, depois de conversa pelo telefone com o dr. Bettencourt. Como já andava no futebol há muito tempo percebi o essencial: tinha de ir para a digressão mas eles já tinham tomado a decisão de não renovar comigo - o Pinilla já estava contratado.

R - Foi isso que acabou por suceder?
JVP - Foi. Viemos da digressão e foi-me dito que já nada havia para negociar. Em resumo, eu errei ao princípio mas eles tiveram oportunidade de voltar atrás e não quiseram.

R - Teve pena de não continuar?
JVP - A saída de Alvalade foi uma precipitação. Minha e do clube. Ambos teríamos ficado a ganhar se chegássemos a um acordo.

R - Se tivesse continuado acredita que acabaria a carreira no Sporting?
JVP - Talvez, não sei. Nunca pensei em sair do Benfica e saí. Quando fui para o Sporting achei que ia acabar ali, porque tinha estipulado os 32 ou 33 anos para terminar a carreira, e ainda passei por Boavista e Sp. Braga.

"[Jardel] Na grande áreaera um fenómeno"

R - A associação com Jardel foi a mais impressionante da sua carreira?
JVP - Um futebolista deve perceber o mais depressa possível as características de quem joga por perto, conhecer os seus pontos fortes, qual a maneira de pensar, como age e reage perante as mais variadas situações. Eu tinha a particularidade de entender quem se movimentava na minha zona. Fala do Jardel, mas também podia falar do Rui Costa, que jogava atrás de mim no Benfica e na Seleção. Sabia sempre o que ele ia fazer e o contrário também era verdade. Com o Jardel era a mesma coisa: ele adivinhava as soluções que eu encontrava para cada lance e eu sabia sempre onde é que ele estava. Bastava para termos sucesso. Na grande área era um fenómeno.

R - Esse entendimento pressupõe uma relação fora do campo ou obedece a mera intuição futebolística?
JVP - É a linguagem do futebol. Não se consegue explicar por palavras e não creio que obedeça necessariamente a cumplicidades fora do campo. Acontece lá dentro. Nós sabemos que vai ser assim mas não conseguimos explicar como sabemos.

R - Há outro jogador com quem o entendimento tenha roçado a perfeição?
JVP - O Ricky, no Boavista, que também foi o melhor marcador do campeonato. Jogava bem de cabeça e era muito rápido, o que pressupunha uma relação diferente comparada com o Jardel, por exemplo. O tempo ajuda a consolidar essas cumplicidades e a partir de uma certa altura consegue-se mesmo jogar de olhos fechados. Há uma história curiosa, num dos primeiros treinos que fizemos no Sporting a seguir ao título. Assim que eu recebia a bola, todos os jogadores da equipa adversária gritavam para marcar o Jardel. Mas mesmo assim, a bola ia para lá e ele fazia golo. E não se esqueçam de outra coisa: também eu marquei muitos golos como resultado dessas relações.

R - O regresso ao Boavista não foi tão feliz quanto pensou...
JVP - O primeiro ano no Boavista foi muito mau. A muitos níveis, o principal dos quais na relação com os treinadores. Não me identifiquei com os métodos e a maneira de ser deles, acho que me trataram mal e não me respeitaram. Foi o pior ano da minha carreira, em termos desportivos e de convivência com a equipa técnica (comandada por Jaime Pacheco).

R - Pior ainda do que no Benfica de Souness?
JVP - Pior porque na Luz tinha o meu estatuto e jogava num grande clube. Ali estava mais vulnerável. Não vim embora ao fim de um mês por respeito ao clube.

R - A segunda época retificou boa parte dessa má impressão?
JVP - A entrada de Carlos Brito foi uma lufada de ar fresco. Criou uma nova mentalidade, senti-me útil, fui o melhor marcador da equipa e falhámos as competições europeias por um ponto. Isso numa altura em que o Boavista já estava muito mal. Com pena minha tive de sair. Sem querer alongar-me, arrependi-me de ter regressado às origens.

R - Surgiu então o convite do Sp. Braga...
JVP - Já tinha sido convidado um ano antes, quando o professor Jesualdo Ferreira lá estava. Mas como tinha a intenção de acabar no Boavista e nem sequer queria jogar muito mais tempo, não fui. Acabei por ir mais tarde, provando a mim mesmo que ainda não tinha chegado a hora. A primeira época até correu bem: o Sp. Braga estreou-se na fase de grupos da UEFA e passou-a pela primeira vez na sua história, sinal de que valeu a pena a aposta.

R - Foi feliz em Braga?
JVP - Fui. Tive final feliz num clube que me respeitou e que eu respeitei até ao último dia. Curiosamente, despedi-me no mesmo estádio em que me estreei na I Divisão: no 1.º de Maio, num embate da Liga Intercalar. Lesionei-me, recuperei, ainda fui aos Estados Unidos ver se prolongava a carreira e, como não deu certo, solicitei uma reunião com o presidente Salvador, na qual lhe disse que não tinha condições, não queria jogar mais e desejava rescindir amigavelmente o contrato.

R - Não tinha condições anímicas ou físicas?
JVP - Ambas. Estava a chegar ao fim e não devia prolongar a agonia até ao termo da época. Com aquela decisão respeitei-me a mim e ao Sp. Braga.

R - Foi o final de carreira que desejava?
JVP - Foi o final possível. Acabei com dignidade, que era o meu objetivo para esse momento. Repare: podia ficar no plantel, como um peso morto à espera do final do mês ou do contrato, para ganhar mais algum dinheiro. Mas esse não era o modo mais correto de encarar a situação.

R - O Rui Costa quando abandonou disse a mesma coisa, que já não dava para mais...
JVP - O problema é quando deixamos de ser os melhores para nós próprios. É o primeiro sinal. Um jogador quando passa uma vida no topo e é considerado um dos melhores das equipas que representa - não digo isto com vaidade mas acho que posso dizê-lo sem vergonha - sabe intuir que perdeu faculdades. Quando o corpo começa a não corresponder à agilidade mental, meu caro, é o princípio do fim. E isso acontece gradualmente, com o peso agravado de 19 anos de carreira que provocam desgaste no dia-a-dia - já não suportamos sequer as conversas do balneário. Mesmo considerando que isso teve as suas vantagens: cheguei aos 36 anos e mantive-me jovem e atualizado.

Coisas de Nuno Assis

R - Qual o jogador de hoje em quem se revê?
JVP - O Nuno Assis tem algumas coisas parecidas. Eu era mais ofensivo, podia jogar até como ponta-de-lança, ele atua mais recuado e aparece de trás para a frente. Mas há aspetos em que me revejo nele. No estilo, nas decisões que toma, no modo como se relaciona com o jogo. Outra diferença é que eu jogava bem de cabeça. O Rui Jorge queixava-se que eu só marcava golos de cruzamentos da direita. Nunca me tinha ocorrido mas, de facto, reconheço que tinha mais disponibilidade para fazer-me à bola quando vinha do lado direito.

Aquele golo à Inglaterra

R - Qual foi o melhor golo que marcou?
JVP - Com a Inglaterra, no Euro'2000. Não só pelo gesto na conclusão como por todo o lance - trocámos a bola durante uma eternidade. Mas só depois de vê-lo na televisão é que tirei essa conclusão. Na altura achei que tinha sido um golo como os outros.

Treinador? Nem pensar!

R - Há alguma hipótese de vir a ser treinador?
JVP - Nunca tirei o curso. É uma ocupação que não está e nunca esteve nos meus horizontes. Basta olhar à volta para perceber que, por norma, o treinador está em clubes por períodos muito curtos. Não quero essa instabilidade para a minha vida. Isto dá muitas voltas, aprendi o valor da palavra nunca, mas não quero ser treinador de futebol.

Diretor desportivo? Depende...

R - Vê-se num cargo de diretor desportivo?
JVP - Depende do que esperem de mim. Só depois de saber o que pretendem saberei se sou capaz de desempenhar a função. Aceitar uma função só para estar ocupado é que não pode ser.

Presidente Luís Figo

R - Figo daria um bom presidente da FPF?
JVP - Não sei, embora me agrade a ideia de ver os mais altos cargos do futebol entregues a ex-jogadores. Futebolistas com carreiras ao mais alto nível mundial, com conhecimentos adquiridos um pouco por toda a parte, devem ter oportunidade para expor e aplicar as suas ideias. O Luís está nesse lote.

Jaime Pacheco sem perdão

R - Consegue definir o momento mais doloroso da carreira?
JVP - Foi num Benfica-Boavista, na Luz. Passei toda a segunda parte a aquecer, juntamente com outros três companheiros. Eles entraram, eu voltei para o banco. Nunca perdoei a Jaime Pacheco. A perder por 3 ou 4-0 meteu o Toñito, que foi expulso 10 minutos depois. No fim, em plena cabina, culpou-o da derrota.

Números sem significado

R - Alguma razão para os números de camisola que escolheu na carreira?
JVP - Eram os que estavam livres. Só isso. À exceção do 12 que enverguei no regresso ao Boavista, que o presidente escolheu simbolicamente, agarrado à imagem de eu ser uma espécie de 12.º jogador, delegando em mim o espírito dos adeptos. Mas nunca liguei a isso. Sempre entendi que é o jogador que faz o número e não o número que faz o jogador.

Camisola e botas de Riade

R - Guardou muitos objetos ao longo dos anos em que pisou os relvados?
JVP - Guardei alguns. Não se pode dizer que seja um grande colecionador, mas fiquei com alguns. Os que ocupam lugar mais destacado são as botas e a camisola com que joguei o Mundial de Sub-19 em Riade.

RECORD - Que tipo de sentimentos lhe desperta a carreira que fez?
JOÃO PINTO - Foram anos que passaram muito rápido mas que valeram a pena. Tive um início muito bom, no qual para lá do talento que me foi reconhecido, beneficiei da ajuda de muita gente. E tive alguma sorte pelo meio, como é imprescindível nestes casos.

R - Está a pensar em quem e em quê?
JVP - Estou a pensar nas chamadas às seleções nacionais e na rapidez com que acedi à equipa principal do Boavista. Foram essas pessoas, que tiveram sensibilidade e acreditaram no meu talento, que me ajudaram a ser quem fui. Agora olho para trás e recupero as sensações de felicidade que esses tempos suscitam, quando a paixão pelo futebol estava ao rubro e a minha ambição em ser futebolista não tinha limite.

R - Que importância tiveram as seleções nacionais das camadas jovens?
JVP - Quando fui convocado pela primeira vez para os Sub-16 tudo se tornou mais sério. Foi uma indicação, para mim e para os responsáveis do Boavista, de que podia ter uma carreira profissional pela frente. As seleções formaram-me como jogador e homem.

R - É verdade que, em miúdo, chegou a ir treinar-se às Antas?
JVP - Nasci e morei nos primeiros anos de vida ao lado do antigo estádio do FC Porto. Tinha simpatia pelo clube e tentei a minha sorte. Uma coisa era ser bom no bairro, outra era triunfar num grande clube. Por isso quis saber o que valia. Mas as captações eram na Constituição, que ficava longe de casa. Fui a pé com um amigo, o Zé Pisca, que hoje é um dos roupeiros do Bairro do Falcão.

R - E que avaliação lhe fizeram?
JVP - Não fizeram. Fomos para lá de manhã mas os treinos eram à tarde. Como fomos a pé e estávamos cansados, não quisemos esperar e regressámos a casa. Por isso, é verdade que fui lá, que tentei a sorte no FC Porto mas nem sequer me treinei. Continuei a jogar no bairro mas, passados uns meses, fui convidado pelo Águias da Areosa, clube que ficava perto e tinha futebol de 11.

R - Foi aí que começou a dar nas vistas?...
JVP - Foi. Comecei a jogar nos infantis e a equipa calhou num grupo muito difícil, com FC Porto, Boavista, Valadares, entre outras formações das redondezas. O primeiro grande momento aconteceu frente ao FC Porto. Contra todas as previsões ganhámos 3-1 e eu marquei os 3 golos. Os dirigentes do Boavista falaram comigo e só depois é que os diretores do FC Porto me abordaram. Era tarde, porque já tinha dado a minha palavra.

R - Quando nasceu a importância do major Valentim Loureiro na sua carreira e até na sua vida?
JVP - Na minha segunda época no Boavista. Fui para lá com 12 anos, fiz o primeiro ano como infantil, que me correu bem em termos individuais, e foi a seguir que me cruzei pela primeira vez com o major. Fomos à final do campeonato nacional de iniciados, o que nunca sucedera na história do clube, e conheci-o então.

R - Mas ele já sabia da sua existência?
JVP - Ele era presidente do clube, tinha mais em que pensar, mas sabia o que se passava em todos os escalões. Eu era dos que estavam referenciados. O meu treinador na altura era o senhor Emídio, infelizmente já falecido - aproveito para prestar a minha homenagem aos meus primeiros mestres: o senhor Germano, antigo jogador do clube, nos infantis; o falecido Celso, nos juvenis e o Mário João nos juniores.

R - Como decorreu esse primeiro encontro com o major?
JVP - Ele foi a Coimbra ver as meias-finais e a final, o que, só por si, era um grande acontecimento para nós. Vencemos a U. Leiria e ele foi às cabinas. Deu-nos os parabéns e recordou que era a primeira vez que o Boavista chegava a uma final nas camadas jovens. Como era o capitão de equipa, dirigiu-se a mim, tirou um maço de notas do bolso (40 contos em dinheiro antigo, correspondentes a 200 euros) e deu-mo para distribuir pelos meus colegas. Ganhar o primeiro dinheiro no futebol foi uma sensação extraordinária.

R - Desde então nunca mais se afastaram?
JVP - A partir daí mantivemos um relacionamento mais chegado. Depois fui chamado à seleção da AF Porto e mais tarde às seleções nacionais, sinal de que tinha um futuro risonho, no qual ele desejava participar.

R - Deve muito às seleções jovens na sua formação?
JVP - Foram determinantes. Passei ali muitos anos, desde a segunda metade dos anos 80 até 2002. Foi um trajeto muito longo, no qual me cruzei com pessoas capazes e que muito contribuíram para minha formação. O meu primeiro treinador foi o José Augusto, num tempo em que as seleções jovens perdiam com regularidade, razão pela qual o interesse mediático era quase nulo.

R - Lembra-se de alguma história nesses primeiros passos?
JVP - Estreei-me num torneio do Algarve. Perdemos os dois primeiros jogos e, na cabina, o José Augusto disse-nos que havia duas hipóteses: ganhávamos e voltaria a chamar-nos ou perdíamos e nunca mais éramos convocados. Ganhámos 1-0 à Itália e eu marquei o golo. Ainda bem que assim foi porque, no ano seguinte, deu-se o grande salto, também à custa de quem correra riscos de não voltar.

R - Então já com Carlos Queiroz?
JVP - Sim. No ano seguinte fomos à final do Europeu de Sub-16, abrindo um ciclo fantástico. Foi numa altura em que passávamos muito tempo juntos em estágios e competições, altura a partir da qual criámos amizades que ainda hoje perduram, independentemente das carreiras que cada um fez. Esse trabalho liderado pelo professor Carlos Queiroz, com Nelo Vingada e outros, deu futuro ao futebol português.

R - O ciclo de sucesso começou nessa altura?
JVP - Eu creio que sim. O edifício do futebol nacional estava totalmente degradado e o atraso em relação a quase todos os países da Europa era evidente, porque não havia dinheiro, nem vontade, nem condições para criar um modelo que servisse os nossos interesses. Recordo-me que a primeira batalha ganha foi criar condições para estágios mais longos.

R - Nas camadas jovens o seu papel nos grupos de que fazia parte era diferente...
JVP - Era o papá... Fui pai pela primeira vez aos 16 anos e todos os colegas me olhavam de outra forma, porque era o capitão e, de facto, a minha responsabilidade em termos pessoais e familiares era maior do que a deles. Depois jogava no Boavista e não era muito habitual alguém ir às seleções sem pertencer aos três grandes. O professor reduziu esse estigma porque alargou as observações e trouxe para a ribalta mais gente fora de Benfica, Sporting e FC Porto.

R - A partir de certa altura já era titular do Boavista e um dos jovens mais talentosos do futebol português...
JVP - Precisamente. E em 1989, depois de perder duas finais europeias, ajudei Portugal a ser campeão do Mundo de Sub-19 em Riade. Foi uma felicidade indescritível.

At. Madrid: "Vivi o lado mais obscuro do futebol"

R - A saída para o Atlético Madrid tinha tudo para dar certo. O que falhou nessa transferência?
JVP - A situação do futebol antes da lei Bosman era muito complicada, porque havia limite para estrangeiros. Apanhei essa fase e, sendo muito novo, o Atlético pagou 500 mil contos (2,5 milhões de euros) pelo meu passe. Ora o meu caminho no clube estava tapado por jogadores de grande qualidade e experiência. O brasileiro Baltazar tinha sido o melhor marcador da Liga anterior, o Futre era a estrela do Atlético e do futebol espanhol, e o Donato ainda não se tinha naturalizado espanhol.

R - Percebeu logo que não ia triunfar?
JVP - Desconfiei, até porque, para dificultar ainda mais, lesionei-me. Depois de parar seis meses e de ver o que se passava à minha volta, percebi que ia ser muito difícil ter uma oportunidade. Isso também pensaram os dirigentes, que seguiram o mesmo raciocínio e mandaram-me para o Atlético Madrileño, que era a equipa B. Mas isso trazia água no bico, como costuma dizer-se.

R - Em que sentido?
JVP - No sentido de que o fizeram com o objetivo claro de não pagarem a totalidade da transferência. Vivi então o lado mais obscuro do futebol. Até lá tinha sido tudo cor-de-rosa.

R - Lembra-se do momento exato em que foi para Madrid?
JVP - Perfeitamente. Foi no dia de Natal de 1989, sob um frio de rachar, que saí do Montijo com o Paulo Futre. Levava emoções contraditórias: a ilusão de uma nova etapa mas, ao mesmo tempo, o receio pelo desconhecido. Sempre fui muito apegado às minhas raízes, tinha 18 anos, responsabilidades familiares, e aquilo ia ser uma aventura para mim. O primeiro mês foi bom, fiquei em casa do Futre e só depois fiquei a viver sozinho em Las Rosas, zona próxima do local onde a equipa treinava.

R - Essas dificuldades por que passou marcaram-no ao ponto de recusar sistematicamente outras experiências no estrangeiro?
JVP - De início é verdade. Quando voltei de Madrid andei três ou quatro anos em que nem queria ouvir falar de possíveis transferências para fora. Depois, no Benfica tive a sorte de receber tudo aquilo de que precisava. Tinha um bom contrato, jogava sempre para o título, participava nas competições europeias, estava próximo da Seleção... Nada me impelia a ir para o estrangeiro. De resto, muitos companheiros de equipa me confidenciaram que, na minha situação, fariam a mesma coisa.

R - Rui Costa chegou a dizê-lo publicamente por mais de uma vez...
JVP - Foi um deles, é verdade. Mas eu não só tinha um bom contrato no Benfica como a má experiência vivida em Madrid.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

RAP



Sim, mas quando é que o Benfica terá um verdadeiro teste?

A paragem no campeonato chega em boa altura. É óptimo que os críticos do Benfica possam ter uns dias para inventar novas razões pelas quais a equipa de Jorge Jesus não os impressiona. No princípio, foram os troféus da pré-época. Cada torneio ganho constituía uma nova vergonha para os benfiquistas. Era uma estupidez andar a ganhar títulos que não valiam nada. O primeiro milho é para os pardais e a pré-época não tem significado, o que veio a confirmar-se: o Benfica, que ganhou tudo, está nas ruas da amargura; o Sporting, que perdeu com toda a gente menos com o Cacém, pratica um futebol vistoso e vencedor. Depois, foram os reforços. Cada novo reforço embaraçava o Benfica. Suplentes do Real Madrid eram uma péssima escolha. Quem jogava bem, como toda a gente sabia, eram os suplentes do Manchester City e do Colón. Mais uma profecia cumprida: Saviola e Javi García deixam muito a desejar, enquanto as exibições de Caicedo e Prediger têm encantado adeptos do futebol em todos os estádios. A seguir, vieram as goleadas. Cada goleada era motivo de gozo. É estúpido golear. Cansa muito. Por exemplo, enquanto o Benfica se afadigou indo a Belém golear por 4-0, o Porto poupou energia empatando com o Belenenses em casa. Ao passo que o Sporting, ajuizadamente, geriu o esforço no empate com o Nacional, o Benfica desperdiçou músculo a golear o mesmo Nacional por 6-1. Estava à vista de todos que o Benfica andava a fazer as coisas mal feitas.


E foi assim que chegámos ao clássico do último domingo. O terceiro classificado da época passada, aliás bastante desfalcado, jogava contra o tetracampeão na máxima força. Finalmente, um verdadeiro teste. Os jogos anteriores, as goleadas, as boas exibições não tinham valor. Agora, sem vários titulares, é que estavam reunidas condições apropriadas para se ver que Benfica era este. E, na minha modesta opinião, viu-se. O jogo era tão fácil para o Porto que Jesualdo Ferreira tinha dito que o empate era um mau resultado. Por isso, apresentou-se na Luz claramente para ganhar, com um meio campo bem ofensivo, que incluía criativos tão fantasistas como um Guarín, um Meireles e um Fernando. Para mim, foi um déja vu. Estava no Estádio da Luz antigo quando Jesualdo Ferreira entrou em campo com os trincos Petit e Andrade para jogar contra o Gondomar. Desta vez, deve ter pensado que o Benfica estava ainda mais fraco que os gondomarenses, de modo que resolveu acrescentar mais um trinco ao jogo, não fosse o diabo tecê-las.

No entanto, Jesualdo não foi o único treinador defensivo da noite. É verdade que o Porto entrou em campo com três trincos, mas devemos ser justos e admitir que o Benfica passou o jogo todo com 3 centrais: Luisão, David Luiz e Falcao. Um exagero de Jorge Jesus. Pinto da Costa bem tinha agradecido aos olheiros do Benfica a contratação do Falcao pelo Porto (no fim do jogo, também fui ao gabinete de prospecção agradecer-lhes) e o rapaz, uma vez que foi descoberto pelos nossos olheiros, deve ter-se sentido na obrigação de jogar por nós.

Por isso, Hulk jogou sozinho no ataque com Rodriguez, o que não lhe fez confusão nenhuma. Na verdade, Hulk joga sempre sozinho, quer esteja acompanhado ou não. O Hulk da banda desenhada é conhecido por se irritar; este é conhecido por irritar os sócios do Porto. Como é evidente, gosto muito mais dos super-poderes deste. Quando, ainda na primeira parte, Hulk fez aquele remate à baliza que saiu pela linha lateral, comecei a fazer uma colecta na bancada onde tenho o cativo. O objectivo é pagarmos a cláusula de rescisão de 100 milhões mas para o obrigar a ficar no Porto. Em breve darei notícias.

Quanto a Rodriguez, observei atentamente o seu jogo e confesso que já não sei se ele não renovou pelo Benfica porque não quis ou porque foi dispensado. Mas, se um dia ele quiser voltar, por mim recebê-lo-ei no clube sem ressentimentos. Desde que seja para jogar na equipa de andebol.

A linha avançada do Porto, Falcao, Hulk e Rodriguez, era, portanto, constituída por um futebolista que jogou na nossa defesa, outro que jogou sozinho, e outro que jogou outra modalidade. Mas atenção: não quero com isto dizer que a equipa do Porto é má. Nada disso. O Porto tem bons jogadores. Estão é todos no Olhanense.

Quando, na final da Taça da Liga, Lucílio Baptista assinalou mal um penalty a favor do Benfica, foi à televisão assumir publicamente o erro. Desta vez, não assinalou um penalty que toda a gente viu – mas não compareceu nos telejornais. É normalíssimo: os erros contra o Benfica não são notícia. Se cada árbitro que erra contra o Benfica fosse ao telejornal, os noticiários duravam três horas.

Ricardo Araújo Pereira, 26 de Dezembro 2009 in Jornal A Bola

Pedro Ribeiro



quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Feliz Natal



Caros leitores deste espaço, quero desejar um Feliz Natal a todos, com muitas alegrias num sapatinho que se quer sempre Glorioso!

E além disso, alegra-me poder dizer-vos que, por uma incrível coincidência do destino, este post de Feliz Natal é também o post 100 do Gloriosa Chama Imensa. A quem me tem dado força para manter este espaço vivo, por acção dos seus comentários, opiniões e sugestões amigas, um grande abraço e um muito obrigado. Que continuem comigo por muito tempo.

A todos um Feliz Natal!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

RAP



Espero que o pai de Lucílio não precise de aconselhamento matrimonial

Creio que anotei correctamente a sequência dos acontecimentos: primeiro, Michel Platini disse, referindo-se ao FC Porto, que não queria batoteiros a jogar na Liga dos Campeões. Depois, o país de Michel Platini apurou-se para o Mundial de futebol na África do Sul, em 2010, jogando a bola com a mão. A seguir, o mesmo Michel Platini disse que o FC Porto afinal não era batoteiro. Não há nada como beneficiar de uma ilegalidade para o nosso conceito de batota sofrer uma interessante transformação. Quem antes era batoteiro passa a ser cá dos nossos.


Na última jornada antes do Benfica-Porto, o árbitro do Olhanense-Benfica mostrou 13 cartões. Para o Porto-Setúbal foi nomeado Pedro Henriques, o árbitro que só mostra vermelho se houver um homicídio em campo. Por essa e outras razões, o Porto chega ao clássico a 100%, enquanto o Benfica se apresenta bastante desfalcado. Posto isto, que resultado esperar? Depende: se o pai de Lucílio Baptista não necessitar de aconselhamento matrimonial, um Benfica desfalcado ganha facilmente a um Porto em pleno. Vamos esperar que os problemas que afectavam o pai de Augusto Duarte não se estendam a outras famílias.

O leitor já contribuiu para a campanha do David Luiz? É a grande campanha deste Natal, não sei se sabe. Todos os comentadores afectos ao Sporting e ao Porto estão a participar. Parece que há, na Liga Sagres, um central que pode fazer todas as faltas que quiser e praticar jogo violento à sua vontade sem nunca ser expulso. Isto, já sabíamos todos. O que não sabíamos é que não se trata de Bruno Alves. Eles estão a falar do David Luiz. Bruno Alves já deu cotoveladas em queixos, cabeçadas em testas, pisou costelas, esmagou testículos e pontapeou cabeças. Mas o David Luiz, no outro dia, puxou uma camisola e o árbitro não viu. Quem não se indignaria?

O leitor, sempre ingénuo, perguntará: mas o facto de David Luiz não ser um jogador violento não deveria ser suficiente para que não fosse sensato dizer que ele é um jogador violento? Não necessariamente. Recordo que o Cardozo levou dois jogos de castigo por, no túnel de Braga, ter cometido actos que as imagens provam claramente não terem sido cometidos. Do mesmo modo, no entender dos apreciadores de Bruno Alves, David Luiz é bruto. Na opinião dos admiradores de Adrien, que anda há semanas a tentar fracturar o perónio aos adversários, David Luiz é caceteiro. Mal comparado, é como ser apreciador da Cicciolina e dizer que a Madonna é um bocadinho galdéria.

Por Ricardo Araújo Pereira, edição 17 de Dezembro 2009 - Jornal "A Bola"

JVP



Benfica-FC Porto

1 - Benfica maduro e solidário FC Porto pouco esclarecido
Apesar das questões em torno dos onzes e da estratégia que cada treinador iria apresentar, este foi um daqueles jogos que se decidiram mesmo no campo. O FC Porto surgiu sem surpresas, pois para mim a única dúvida era se o titular seria Hulk ou Varela. Já no Benfica, a curiosidade era maior devido à falta de elementos importantes: Di María, Aimar, Coentrão ou Sidnei. E, à partida, as soluções não apresentavam as mesmas garantias dos ausentes. Mas essa ideia acabou por ser desmentida, em especial no caso de Urreta, que esteve muito bem tacticamente, atacou e defendeu quando devia e num lado - o direito do FC Porto - que não é fácil quando joga Fucile. Urreta foi a maior surpresa e acabou por ser uma boa revelação, num Benfica que mostrou maturidade, preocupação em fazer as dobras - foi uma equipa solidária - e no apoio ao portador da bola, criando alternativas de passe. Além disso, foi inteligente na forma como defendeu longe da baliza. O FC Porto, por outro lado, pareceu-me uma equipa nervosa e com poucas soluções para dar a volta a um resultado negativo, ou seja, pouco esclarecida.


2 - Nestes jogos conta mais o momento da recuperação de bola
Antes do jogo, as coisas pareciam favoráveis ao FC Porto, pois estava em pleno, ao contrário do Benfica, que tinha dificuldades para construir o onze. A única coisa contra o FC Porto era o facto de jogar fora - um argumento de peso. Nos primeiros cinco minutos vimos um FC Porto personalizado e confesso que pensei que o encontro não fugiria muito disso. Mas o Benfica passou a controlar as operações e a jogar mais perto da área do FC Porto, exercendo uma pressão alta que provocou muitas perdas de bola no adversário. Neste tipo de jogos, mais do que as jogadas trabalhadas, aquilo que realmente conta é o momento de recuperação de bola em zonas perigosas - e foi isso que deu o golo: o FC Porto foi apanhado em contrapé, quando tentava subir no terreno e Saviola conseguiu aproveitar isso de forma inteligente. O FC Porto não conseguiu sair da zona de pressão e perdia a bola ao primeiro ou segundo passe. Já o Benfica ocupou melhor os espaços e procurou ganhar as segundas bolas, o que confere maior ascendente, mais tempo com a bola a favor, sobretudo em zonas adiantadas.


3 - Saviola e David Luiz foram os melhores
Os dois jogadores que mais me chamaram a atenção neste encontro foram Saviola e David Luiz. O argentino atravessa um grande momento e está a mostrar toda a sua qualidade, nos passes, na finalização, na ocupação dos espaços e na leitura que faz do jogo. Alguém assim, quando tecnicamente dotado, desequilibra. O central brasileiro esteve seguro, determinado, fez cortes importantes e nos momentos em que o FC Porto criava perigo era ele quem aparecia a resolver.


4 - Farías e Belluschi sem tempo
Os campeões nacionais melhoraram na segunda parte, numa altura em que procuravam jogar a bola, mas o estado do terreno tinha piorado. E em termos práticos só tiveram uma ocasião clara de golo, o remate de Raul Meireles que bateu em Luisão, enganando Quim, mas que acabou por sair ao lado. Quanto às substituições, provavelmente eu teria feito as mesmas de Jesualdo Ferreira, mas de forma diferente. É que se a intenção era meter Farías e Belluschi, não faz sentido provocar duas paragens no jogo, separadas praticamente por um minuto, numa altura em que o objectivo do FC Porto era chegar ao empate. E, a pouco mais de dez minutos para o final, já era tarde para tentar mudar, devido à intensidade do jogo e ao estado do relvado. Embora quem entre esteja mais fresco do que aqueles que já estão a jogar, precisa sempre de cinco ou dez minutos para entrar no ritmo e tempo foi coisa que Farías e Belluschi não tiveram.


5 - Vantagem anímica importante
O discurso que normalmente antecede os jogos grandes por parte dos treinadores tende a tentar desvalorizá-los para além dos três pontos em disputa, mas estes são realmente jogos diferentes. Neste caso, a diferença pontual era mínima; além disso é importante em termos anímicos para o Benfica, que recebia um FC Porto que estava em crescimento e conseguiu dar a volta a uma situação difícil, tendo em conta as ausências. Isso vai criar competitividade dentro da equipa, com todos os jogadores a quererem mostrar o seu valor, o que se torna uma vantagem numa prova longa como é o campeonato.


6 - Campeonato longe de estar resolvido
O campeonato está, no entanto, longe de estar decidido. Esta era uma saída difícil para o FC Porto, por se tratar de um estádio onde é difícil jogar, onde há uma pressão enorme, mas esperava mais do campeão nacional do que aquilo que fez ontem. Numa situação destas, o ideal para o FC Porto seria disputar o próximo jogo quanto antes mas o campeonato vai parar, dando tempo para corrigir o que tem estado menos bem nesta primeira parte da temporada. O Benfica está confiante e acredita que vai começar o novo ano da mesma forma que termina este. Espera-se que o Braga continue igual, apesar da saída de Meyong para a CAN obrigar o líder da Liga a ir ao mercado. Numa prova longa como o campeonato é normal que as equipas se reforcem, em especial o Braga, que não tem os mesmos argumentos dos grandes.

Benfica 1 - 0 Porto - 14ª Jornada 09/10

O Benfica deu mostras de ter estofo e fibra de campeão. Depois de alguns jogos em que isso começou a ser questionado (Braga, Sporting, Olhanense), e com razão, pois esses jogos demonstraram que a equipa, apesar do bom futebol praticado, quebrava psicologicamente, desta feita tudo foi diferente. E para isso, muito contribuiu um nome: Jorge Jesus. Se nos resultados adversos a culpa é sempre do treinador, neste resultado o "culpado" também foi ele.



Exacto. Esta vitória é de Jorge Jesus. Sem Di María, Aimar, Fábio Coentrão e com Ramires em claro esforço para jogar, o treinador encarnado teve de arranjar uma maneira de dar a volta a todas estas contrariedades. E não o podia ter feito da melhor forma. Para substituir Aimar escolheu Carlos Martins em detrimento de Felipe Menezes. 1ª decisão acertada. E para o lugar de médio interior esquerdo, em vez de adiantar César Peixoto e colocar Shaffer a lateral, manteve Peixoto na defesa e sacou da cartola o estreante Urreta. E o miúdo fez um grande jogo, provando que merece mais oportunidades. 2ª decisão acertada. A 3ª foram as substituições. Quando Ramires já não podia mais, JJ surpreendeu tudo e todos e chamou Luís Filipe à acção. Confesso que detesto este jogador, pois não lhe encontro qualquer qualidade. No entanto, neste jogo esteve belíssimo do ponto de vista táctico, segurando a vantagem da equipa, e até esteve perto do golo num remate de longe. As entradas de Weldon para o lugar de Urreta e Menezes para o lugar de Martins foram também acertadas, permitindo refrescar o meio-campo e o ataque sem perder o equilíbrio da equipa.



Mas a chave do jogo chamou-se (mais uma vez)... Saviola. Já começam a faltar adjectivos para caracterizar El Conejo. O avançado argentino é um jogador de classe mundial, duma outra dimensão. E mais uma vez foi determinante, num jogo decisivo. Deu mostras de grande carácter e maturidade, não tremendo nos grandes jogos, como acontece com tantas pseudo-estrelas (Di María, por exemplo). E marcou um golo, um único golo, mas que valeu muito mais do que isso. Valeu uma vitória para um jogo de campeonato, valeu uma vitória moral sobre um adversário que se apresentava na Luz no melhor momento da época, valeu a auto-estima melhorada de milhões de benfiquistas e pode ter valido... um campeonato.



O resto da equipa esteve muito bem. O Benfica fez um jogo tacticamente perfeito, sempre muito pressionante e mandão na primeira parte, com o Porto a tentar atacar a espaços, mas nunca com eficácia e discernimento suficientes, cenário que o golo de Saviola ainda complicou mais. Na segunda parte, a equipa encarnada entrou mais na expectativa e sofreu uma intensa pressão dos portistas durante os primeiros 20, 25 minutos. Depois disso, surpreendentemente, pois muitos dos jogadores do Benfica já estavam completamente de rastos em termos físicos, as águias voltaram à mó de cima e o Porto não mais chegou perto da baliza de Quim. Lances de perigo para Quim, apenas um, num remate de Álvaro Pereira de fora da área, a que o guarda-redes respondeu bem, defendendo para canto. O Benfica também não teve muitas mais, é verdade, mas foi tremendamente eficaz. E assim ganhou um jogo muito difícil.



No Porto, apenas um homem se destacou. E ainda bem que Hulk joga sempre. Assim, Varela pode brilhar muito menos. Mas está um grande jogador. Quem diria que chegaria a este patamar, depois do ostracismo a que foi votado no Sporting? O Porto só acordou quando Guarín saiu e Varela pegou no jogo, levando a bola para o ataque. Foi um oásis no meio da letargia da equipa.

O Benfica ganhou o jogo mais importante da época até ao momento. Aumentou a vantagem pontual para o Porto, que entretanto havia perdido com empates dispensáveis, e mais importante: ganhou moral sobre o mais forte adversário. O que é importantíssimo nesta fase da época, se bem que realmente importante seja esta vantagem pontual no encontro da segunda volta, no Dragão. Se no fim desse jogo estivermos 4 pontos à frente do Porto, é caso para Portugal fazer a festa, pois seremos campeões. Até lá, ainda faltam 16 jogos, e todos para ganhar. Rumo ao 32º!

O resumo do jogo, com o golo de Saviola, aqui:

domingo, 20 de dezembro de 2009

Benfica 2 - 1 AEK - 6ª Jornada Liga Europa 09/10

Uma vitória normal, num jogo sem história e sem grande importância, onde só interessava rodar os jogadores e dar minutos e moral a alguns que terão a sua prova de fogo hoje, com o Porto. E com os 3 golos a terem um denominador comum: Di María. O argentino continua a alternar os lances de génio com as infantilidades de uma criança de 5 anos. Espero que com o tempo melhore certos aspectos do seu jogo, porque tem capacidades para se tornar um dos melhores do mundo. Basta querer.



O jogo foi quase de sentido único. Sem grandes motivos de interesse, pois ambas as equipas já tinham o destino definido, o Benfica começou a atacar de forma inteligente e, depois de uma grande jogada de Luís Filipe!!!, Nuno Gomes foi empurrado na área, num penalty que Jesus pediu a Felipe Menezes para cobrar, talvez para dar moral ao brasileiro de modo a galvanizá-lo para a titularidade. Só que JJ falhou a aposta, pois Menezes atirou ao poste, iniciando assim uma exibição desastrosa, que culminou com a saída na segunda parte, depois de um festival de passes falhados e jogadas displicentes. A 1ª parte foi jogada sempre numa toada morna, mas, em cima do intervalo, Di María (que estava completamente longe do jogo até aí) rematou de fora da área, de forma algo atabalhoada, num lance onde o guarda-redes do AEK podia ter feito melhor. Mas não fez e o Benfica foi para o intervalo a ganhar.

Na segunda parte, aconteceram 2 lances de génio saídos dos pés do argentino: o primeiro, um chapéu muito parecido ao de Saviola com a Académica, que só pecou por bater na trave em vez de entrar; o segundo, um dos melhores golos jamais vistos, que podia nem ter acontecido se Di María fizesse o mais normal, que era correr pela esquerda e atirar à baliza. Mas não. Preferiu flectir para a direita, ficando sem hipótese de rematar com o pé direito, pois, como o próprio admitiu depois, "a perna direita só serve para andar, não sabe fazer mais nada", e fazer um golo de letra, que assim foi mágico, mas caso não tivesse entrado, seria uma oportunidade flagrante de golo que se perdia por causa de uma burrice. Mas é assim mesmo: a linha que separa a idiotice da genialidade é muito ténue. E este lance comprova-o. Podia ter sido uma grande oportunidade desperdiçada. Mas foi um golo magnífico.



Depois, a equipa baixou os índices competitivos, já a pensar no jogo com o Porto, e o AEK, por intermédio do seu avançado argentino, Blanco, ainda reduziu a desvantagem, numa perda de bola infantil de... Di María, quem mais?



Mas o melhor jogador da equipa grega é o seu capitão e número 1, o médio Kafes. Fez um grande jogo, mas não tem uma equipa à sua altura.



E assim o Benfica garantiu a 5ª vitória em 6 jogos na Liga Europa, conseguindo até a desforra perante o AEK, que foi a única equipa a vencer os encarnados nesta fase de grupos. Fez ainda uma rotação bem sucedida da equipa, com Carlos Martins a justificar a aposta de JJ e que certamente será titular no jogo de hoje. E a maior surpresa: Roderick Miranda. Eu tinha gostado muito dele na pré-época e logo aí lhe augurei um grande futuro, até a curto prazo. No jogo com o Santa Clara esteve muito desconcentrado e displicente e desiludiu-me, fazendo-me ver que ainda não está maduro o suficiente para ganhar um lugar na equipa principal. Mas neste jogo voltou a mostrar ser um senhor a liderar a defesa, juntamente com um esforçado e sempre muito concentrado Miguel Vítor. O Benfica tem 5 centrais de grande qualidade e não precisa de mais nenhum nos próximos anos, isto na minha opinião. No que respeita à Liga Europa, continuo com a esperança de chegarmos a Hamburgo e vencer o caneco!

O resumo do jogo aqui:

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

JVP



Olhanense-Benfica
1 - Este jogo valia tantos pontos como o Benfica-FC Porto
O Benfica entrou mal no jogo, apático, sem dinâmica, com dificuldades em ligar o jogo, sentindo demasiado a falta de Aimar. Nunca conseguiu estabilizar o seu futebol. Numa altura em que toda a gente já fala no Benfica-FC Porto, esse jogo deveria funcionar como motivação extra, mas não foi isso que se viu. O jogo de ontem valia tantos pontos como o que há-de ser disputado com o FC Porto. Tenho dificuldade em perceber a apatia e a falta de soluções. Esta época, essa não é uma marca do Benfica, que só em Guimarães teve uma actuação parecida e acabou por marcar no tempo de compensação, só que dessa vez ganhou.


2 - A defender à zona é preciso atacar a bola
Apesar de ter jogadores altos e que jogam bem de cabeça, o Benfica sofreu dois golos de bola parada em erros flagrantes. Quando se defende à zona é preciso atacar a bola e não ficar à espera que o colega resolva. Foram assim os golos do Olhanense. Curiosamente, também foi de bola parada que o Benfica marcou, com a particularidade de se saber que o Saviola está sempre à espera do erro do adversário e normalmente coloca-se naquela zona.


3 - Solidariedade olhanense
Na primeira parte, depois de ter sofrido o golo do empate e de ter perdido Djalmir (expulso), pensou-se que o Olhanense acabaria por ser dominado pelo Benfica, pois conhecem-se-lhe de jogos anteriores algumas dificuldades defensivas, mas a solidariedade demonstrada pela equipa, que jogou em 4x1x4, permitiu-lhe suster as tentativas de avanço visitantes. É certo que do outro lado havia muito pouco Benfica para candidato ao título, mas depois da expulsão de Di María o Olhanense repôs o equilíbrio. Havia mais espaços, mas apesar de ter mais iniciativa o Benfica continuava desinspirado e desligado, mesmo com Javi García a subir no terreno e David Luiz a fazer de médio. Ao contrário, o Olhanense criava contra-ataques perigosos e bem organizados, de que a última jogada do desafio foi um espelho fiel. Mesmo em cima da hora e tendo acabado de sofrer o empate já em tempo de compensação, a equipa da casa fez um contra-ataque perfeito e só não ganha devido à falta de experiência de Tengarrinha em lances deste género (estava isolado e tropeçou antes de chutar). Neste particular da experiência deixo também um reparo a Ukra e castro. São dois jogadores talentosos e dotados tecnicamente, mas por vezes exageram no individualismo em zonas em que isso é desaconselhável. Há zonas do campo que são perigosas e eles têm de ter consciência disso.


4 - Jesus arriscou tudo
O Benfica só nos últimos minutos conseguiu criar algumas oportunidades de golo, quando já tinha em campo a artilharia toda. Porque se há coisa que se pode afirmar é que Jorge Jesus arriscou tudo para ganhar. Veja-se até nas opções que tomou. Poderá aparecer quem o critique por, depois de ter ficado sem o Di María para o jogo com o FC Porto ter tirado o César Peixoto e deixado em campo Coentrão, que estava em risco de ver o quinto amarelo, como aconteceu. Mas creio que fez bem, há momentos em que é preciso arriscar. Jesus entendeu que neste jogo precisa da velocidade e da dinâmica que ele imprime à equipa e deixou-o em campo. A seguir pensa no próximo jogo. Já agora, vai ter de pensar no FC Porto sem uma série de jogadores importantes.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O nosso plantel IV - Maxi Pereira

Depois dos guarda-redes (escrutinados aqui, aqui e aqui), passamos agora para os defesas, neste caso a posição específica de lateral direito e o seu "dono" nas últimas duas épocas: Maxi Pereira.



Maxi está no Benfica desde 2007/08. Chegou com a época já a decorrer (estávamos na terceira jornada), juntamente com Cristian Rodríguez, num início de época muito conturbado, que já fazia adivinhar o que viria a acontecer depois (o 4º lugar final na classificação). Vindo do Defensor, um dos clubes mais fortes do Uruguai, o jovem de 23 anos chegou como um perfeito desconhecido. Era um médio direito, de características defensivas, utilizado muitas vezes por Camacho como extremo direito. Como se perceberia mais à frente, não poderia ter resultado nunca. E não resultou. Maxi começou aos poucos a actuar mais recuado no terreno, até que se fixou como lateral direito, curiosamente a posição em que joga há muito tempo na selecção uruguaia, onde relega o... portista Fucile para o banco. Para essa posição havia, no plantel, Nélson e Luís Filipe. Ambos seriam progressivamente afastados das opções dos técnicos (primeiro Camacho, depois Chalana). E foi assim que acabou por fazer 23 jogos e marcar 2 golos na Liga, além de ser sempre utilizado na taça e Europa, onde até marcou um golão na recepção ao Milan, para a Liga dos Campeões. E com a particularidade de ter sido quase sempre titular e raramente suplente utilizado.



Nova época (2008/09), novo treinador (Quique Flores), e o lateral direito passou a ser definitivamente Maxi Pereira. Aliás, a confiança no uruguaio era tanta que o Benfica não tinha mais nenhum jogador para esse posto no plantel. Se houvesse problemas com Maxi, Amorim ou Miguel Vítor fariam a posição. Mas o dono do lugar estava perfeitamente identificado. E assim, em mais uma época nefasta para o clube, onde se salvou a Taça da Liga, Maxi falhou apenas dois jogos na Liga, onde ainda marcou um golo, e nas outras competições só não foi totalista por lesão ou castigo.



Para esta nova época, chegou Jorge Jesus, mas tudo se manteve igual, no que respeita ao posto de lateral direito. Ou melhor: não foi bem assim. O Benfica contratou Patric para lutar com Maxi pela titularidade, mas JJ depressa entendeu que o jogador brasileiro ainda estava muito verdinho e apressou-se a recambiá-lo para o Brasil. Depois de fechar o mercado de transferências, e percebendo que não havia suplente para o uruguaio, JJ não teve outro remédio senão chamar Luís Filipe, que havia sido emprestado ao Vitória de Guimarães na época anterior e treinava à parte do plantel, para ser o reserva de Maxi. No entanto, a verdadeira opção a Maxi é mesmo Ruben Amorim, que tem jogado no lugar do uruguaio sempre que este está indisponível, o que, como sabemos, não acontece muito.



Maxi Pereira é um jogador de que gosto muito. Inicialmente não foi assim, pois achava-o desenquadrado da equipa, lento, o que na posição que desempenhava (extremo direito) era mau, sem grandes qualidades a nível de remate nem mesmo a cruzar. Depois comecei a vê-lo jogar a lateral direito e a minha opinião mudou radicalmente. Até começou a parecer mais rápido, bom a defender, com um razoável sentido táctico, e tem vindo a melhorar nos cruzamentos. Desde que passou a jogar nessa posição tornou-se indiscutível e ainda bem, pois será, a par de Fucile, o melhor lateral direito da Liga Sagres. Não é dos jogadores mais bem cotados do Benfica, também porque não contribui decisivamente para muitos golos, fruto da posição que ocupa, mas mesmo assim é dos preferidos dos adeptos, pois tem aquilo que falta a muitos: raça, querer, vontade de ganhar, atitude, que o faz nunca desistir de nenhum lance e dar tudo pelo clube. É isso que falta a muitos outros. Se todo o plantel tivesse essa garra, venceríamos todos os jogos. Infelizmente, não é assim. Mas Maxi dá um exemplo fantástico a todos os colegas, e isso faz dele imprescindível. Além das suas qualidades futebolísticas, claro.

Que acham os leitores?

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

É importante divulgar

Bem sei que há uns tempos estas imagens já correram o mundo da blogosfera, mas acho que agora se volta a impor que sejam divulgadas, pelo cenário que já se anda a aventar que os portistas estão por cima e vão dar cabo de nós no clássico. É bom que se veja como o seu maior ícone e também um dos mais acérrimos adeptos (será?) já apoiaram e/ou foram bem próximos do nosso clube...

Cliquem nas imagens para se ver melhor:




domingo, 13 de dezembro de 2009

Olhanense 2 - 2 Benfica - 13ª Jornada 09/10

Um resultado normal, se tivermos em conta o que já vimos no jogo de Braga. O Benfica não sabe ser forte psicologicamente em situações adversas. Quando começa a perder, não consegue dar a volta ao resultado. E quando o ambiente extra-futebol antes do jogo é adverso, também não tem sabido dar a volta a esse facto. Aconteceu em Braga e aconteceu ontem em Olhão. Para mim, o culpado principal é, como sempre quando as coisas não correm bem, o treinador. Jorge Jesus é muito bom treinador, o melhor do Benfica dos últimos largos anos, mas tem, para mim, dificuldades no plano psicológico. Tanto no discurso que tenta fazer passar para os jogadores, como ele próprio me parece bloquear psicologicamente quando as coisas não estão a correr de feição. E isto é muito preocupante.



A equipa começou apática e sem conseguir travar o ímpeto atacante do Olhanense, que já de si costuma ser muito, pois jogadores como Ukra e Castro são muito perigosos, e ontem iriam ser ainda mais, pelas razões que todos conhecemos. E foi numa arrancada de Ukra pela esquerda que nasceu o primeiro golo do jogo. O árbitro assinalou falta de Ramires, que é discutível, mas tirada a papel químico de uma sobre Maxi Pereira um minuto antes a beneficiar o Benfica. Portanto, não há aqui qualquer mão do árbitro a prejudicar deliberadamente os encarnados. O que há, sim, é um falhanço gritante da defesa do Benfica, que deixou Carlos Fernandes cabecear completamente à vontade. Isto sim, foi um erro gritante.



Depois aconteceu a escaramuça que se viu, criada por uma falta muito dura de Castro sobre Coentrão, que merecia cartão vermelho. No entanto, como todos sabemos, em Portugal nunca aos 26 minutos se expulsa um jogador por uma falta assim, e não ia ser ontem a primeira vez. Depois, Djalmir merece o vermelho, mas Cardozo, estupidamente, demonstrando uma imaturidade gritante, corre metade do campo para ir dar uma chapada ao brasileiro, pondo-se completamente a jeito de ser expulso. Mais uma vez, quanto a mim, o árbitro deu mostras de não estar ali para nos roubar, e mostrou apenas o amarelo ao paraguaio, quando poderia perfeitamente tê-lo expulso. Bastava querer. Aí só faltou a advertência a Anselmo, que deu uma chapada ao Tacuara igual à deste em Djalmir. Seria na mesma medida para os 2. Ou amarelo, ou vermelho.



A seguir veio o golo do magnífico Conejo. Saviola continua a demonstrar a sua imensa qualidade e inteligência. Um jogador de 1,68 metros que se farta de marcar golos na pequena área tem de ser muito inteligente e ter um fantástico sentido posicional. E ele tem-no em larga escala.



O Benfica voltou depois a sofrer um golo infantilmente, com erros grosseiros de marcação a deixar Toy!!! marcar o 2º do Olhanense.



A seguir, deu-se a expulsão estúpida de um puto estúpido, burro e imaturo que infantilmente agrediu um adversário sem que se justificasse minimamente tal atitude. Resultado: muito bem expulso e fora do jogo mais importante da época até agora. Burro, burro, burro.
Na segunda parte, mais uma vez a equipa não foi capaz de dar a volta a uma situação adversa. O melhor que conseguiu foi empatar, por intermédio do desprezado capitão, que, para mim, ainda dá muito jeito em certas situações. Um pouco à imagem de Mantorras.



O Olhanense fez uma exibição à sua imagem, com mais garra ainda do que é habitual, talvez pelas razões que todos conhecemos. O melhor em campo da equipa de Olhão ontem, sinceramente não consigo dizer um em específico. Toda a gente acha que a grande figura da equipa é Ukra. Confesso que o seu futebol, apesar de vistoso, me faz lembrar o de Di María. E isso não é bom. Apesar da expulsão tão precoce, que prejudicou a equipa e a sua exibição, naturalmente, o melhor jogador do Olhanense é claramente Djalmir. Mas toda a equipa é boa, pecando por não ter soluções para combater a inexperiência. É por isso que não tem conseguido melhores resultados em toda a época. Mas joga um bom futebol, como tem mostrado em todos os jogos, e acredito que se irá manter na primeira Liga.

O árbitro não teve influência no resultado, na minha opinião. O jogo acabou com 5 amarelos para cada lado e 2 vermelhos para o Olhanense e um para nós. O livre que dá o primeiro golo do Olhanense nasce de falta inexistente de Ramires, mas um minuto antes tinha havido um livre igual para nós (mal assinalado). Portanto, por aí estamos quites. Deixam-me algumas dúvidas o golo do Toy, mas é muito semelhante ao do Nuno Gomes. E na expulsão do Djalmir, até podemos estar agradecidos, pois Cardozo, que é muito burro, podia perfeitamente também ter sido expulso. Di María é o que venho a dizer há muito tempo: muito potencial, muito talento para ser explorado, mas ainda lhe falta tanto, tanto, para ser um bom jogador. É um miúdo burro e imaturo. Não tem ponta de inteligência. O árbitro fez o que podia e devia. Aliás, Carlos Fernandes nem lhe fez nada naquele lance que justificasse uma atitude daquelas. Indescritível. Só o amarelo a Coentrão é que acho forçado, mas sinceramente, foi na linha de toda a arbitragem, que considerei boa. Esteve coerente com o que vinha a fazer até então. Burro foi o Jorge Jesus em pôr o Coentrão mais a defender quando sabia que já nem ia ter o Di María no jogo com o Porto. Isto sim é ter falta de visão. E se quisermos ser imparciais a sério, David Luiz também deveria ter sido amarelado, no mínimo. E não foi. E o Miguel Garcia acabou por ser expulso por tirar de esforço. Portanto, na minha óptica, não temos de nos queixar do árbitro. Temos antes de criticar a atitude com que a equipa entrou no jogo, totalmente incorrecta. JJ não soube galvanizar a equipa para aguentar psicologicamente este jogo. Viu-se desde o 1º minuto que os jogadores estavam todos condicionados a pensar no jogo com o Porto, e como cada um se aguenta psicologicamente de formas diferentes, tivemos a resposta sobre quem é maduro e quem não é. Cardozo mostrou que não é (e já tem 26 anos). Di María é um puto estúpido. E David Luiz teve sorte. É nisto que temos de ponderar. A culpa dos insucessos é sempre do treinador, sempre defendi isto. E hoje foi de novo. Apenas e só. Esta é a minha opinião. Estou a defender os interesses do meu clube, os verdadeiros interesses, que não se baseiam só em pensar que os árbitros estão todos contra nós. Eu tenho outra filosofia de estar na vida, e de estar no desporto.

O Benfica perdeu assim dois pontos num jogo onde claramente podia ter saído vencedor, apesar de todas as dificuldades. Corremos o risco de ir para o clássico com apenas mais um ponto que o Porto, e isso será perigosíssimo. Espero que não vá acontecer nada de muito anormal no jogo e que o Benfica consiga dar a volta às adversidades que resultarão de não ter Di María, Coentrão, Amorim e Ramires (e ainda não se sabe o que tem Aimar). Portanto, o meio campo em princípio será constituído por Javi Garcia, Carlos Martins, Menezes e Aimar. Ver-se-á no que vai dar. Espero que ganhemos e que seja dada uma prova por parte da nossa equipa de que também conseguimos ultrapassar as contrariedades com que nos deparamos. Rumo ao 32º!

Os golos do jogo aqui:

sábado, 12 de dezembro de 2009

RAP



Da precariedade de um 4-0

AS goleadas são como o Natal: goleada também é quando um homem quiser. O futebol acaba de ganhar um novo interesse.
Já podíamos discutir se certo jogador era melhor do que outro, ou se determinada equipa jogava um futebol mais bonito que as demais. Mas, quanto aos números, não costumava haver dúvidas.

Aquele aborrecimento de serem exactos prejudicava uma boa conversa. Quatro golos, não sei se se lembram, eram quatro golos. E um 4-0, antigamente, era uma goleada. Mas agora, se o treinador da Académica não quiser, não é. Esta é, creio, a grande diferença entre Mourinho e este novo Mourinho (se não me falham as contas, Vilas-Boas é o 17º novo Mourinho): Mourinho dificilmente leva goleadas; o novo Mourinho leva, mas não admite que foi goleado. É quase igual.
Na verdade, era previsível.

Quando o Benfica goleava, era evidente que não continuaria a golear.
Como continuou a golear, as goleadas deixaram de ser goleadas. O que interessa acima de tudo é que o Benfica não goleie, mesmo quando goleia. Com este resultado escasso, o Benfica acabou por ganhar por um tangencial 4-0.
Se o Cardozo não tivesse marcado o último golo, suponho que teríamos empatado por 3-0. Ainda tivemos sorte.
Foi pena, porque estava tudo a compor-se. Houve um ou dois jogos em que o Benfica não esmagou.

Era o momento pelo qual há tanto se esperava. A máquina de golos tinha emperrado. O ataque demolidor já não demolia. O rolo compressor estava avariado. E os benfiquistas tinham falado antes do tempo. Eu, confesso, fui um deles.
Disse: o Benfica dá muitas goleadas. E porquê? Só porque o Benfica dava muitas goleadas. Fanatismos, já se sabe. Quando um benfiquista constata que o Benfica goleia, fala antes do tempo. Quando os outros prevêem o fim das goleadas e elas continuam a ocorrer, são gente sensata. Aproveito esta oportunidade para admitir que falei antes do tempo. Antes do tempo em que os 4-0 deixaram de ser goleadas, claro.

NA semana em que o antigo treinador do Sporting foi castigado por críticas à arbitragem, o actual treinador do Sporting só teve motivos para a elogiar. A Liga sabe fazer pedagogia. Há mais irregularidades naquele segundo golo marcado ao Setúbal do que no resto da jornada toda. Por outro lado, se é verdade que a bola esteve fora do terreno, convém não esquecer o tipo de relvado em que os jogadores do Sporting estão acostumados a jogar. Temos de compreender que, para eles, jogar fora do campo seja mais atraente. Não é batota, são saudades da relva.

Por Ricardo Araújo Pereira, edição 10 de Dezembro 2009 - Jornal "A Bola"