quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Excelente crónica



Por Leonor Pinhão

Da Lei da Tripa à Lei Cantona

NO domingo, o guarda-redes da União de Leiria foi injustamente expulso mas o treinador do Porto continua a lamentar-se da perseguição dos árbitros à sua equipa. Mas há mais lamentos. Até hoje continuam sem resolução os procedimentos disciplinares a aplicar aos jogadores do Porto que agrediram dois stewards no túnel do Estádio da Luz mas o Porto, através de quem tem autoridade para falar, continua a negar a evidência e a lamentar-se da legislação em vigor sendo que a dita legislação é da autoria de um legislador da sua própria casa.

As duas situações não são sequer absurdas. São apenas ridículas, sendo que o absurdo é a serôdia indulgência com que estas conversas continuam a ser escutadas. Por comodidade, preguiça e receio, poucos são os que lhe fazem frente de forma superior e livre de inclinações.

Um aparentemente insignificante episódio paralelo é a grande aposta para a resolução do caso do túnel da Luz de forma a que a Lei da Tripa vingue uma vez mais para eterno brilho do postulado «manda quem pode, obedece quem tem juízo» que, embora público e transcrito, não tem validade jurídica dadas as «tecnicalidades» dos processos.

O Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol ralhou com a Comissão Disciplinar da Liga por causa da pena de três meses de suspensão aplicada a Rui Cerqueira, director de comunicação do FC Porto, na sequência dos insultos dirigidos por Cerqueira a um jornalista da RTP em serviço no Estádio do Mar, em Matosinhos, na ocasião da visita do Porto ao reduto leixonense.

Não é que os insultos não tenham existido e não tenham sido escutados. Simplesmente não são… tecnicamente válidos. Para o Conselho de Justiça da FPF, um jornalista, de acordo com o artigo 107.º do regulamento, não faz parte do jogo, não é nem árbitro, nem jogador, nem dirigente, nem massagista, nem público pagante. Enfim, um jornalista de serviço não é «agente desportivo» mesmo que esteja num recinto desportivo a trabalhar.

Vai daí, o Conselho de Justiça da FPF desautorizou a Comissão de Disciplina da Liga por se atrever a considerar um jornalista como alguém a quem não se pode tocar, insultar, ameaçar. É a esta noticiazinha, que parece não ter grande importância, que se vão agarrar os legisladores da Lei da Tripa. Não é que a preocupação do momento sejam os jornalistas. A preocupação do momento são os malditos stewards…

Estão a perceber, não estão? Estão a perceber onde é que isto vai chegar?

É que, vão concluir, para o CJ da FPF, um jornalista é tecnicamente igual a um steward, praticamente não existe e não está ali a fazer nada, ainda que os jornalistas recebam as suas creditações profissionais dos organismos que superintendem as organizações das provas e ainda que os stewards recebam instruções e estejam directamente dependentes dos delegados da Liga na organização dos jogos.

Há uma coisa um bocadinho patética neste novelo. São aqueles lamentáveis opinantes, civis e militares, que atribuem ao «país» todas as culpas como se o «país» fosse uma entidade abstracta, uma espécie de invólucro sem responsabilidades para o recheio. Como se a culpa fosse do país, o nosso, e logo por azar cheio de portugueses, naturalmente. Ah! E como eles gostam de dizer: «Só em Portugal é que isto acontece. Se isto acontecesse na velha Inglaterra…» E babam-se.

Ora na velha Inglaterra, em 1995, o melhor jogador do mundo, Eric Cantona, do mais sonante clube do mundo, o Manchester United, foi expulso pelo árbitro no decorrer de um jogo com o Crystal Palace. Cantona, muito a custo, aceitou a decisão do árbitro, e quando se encaminhava para a cabina foi provocado por um adepto — ou seja, um não-agente desportivo — do Crystal Palace e respondeu a soco e a pontapé, num momento de kung-fu que ficou globalmente célebre e fotografado.

O Manchester United nem hesitou. O provocador não era nem jornalista nem steward, era um anónimo pagante, sentado na bancada, no segundo errado, momento errado. Mas o Manchester United, sem esperar pelas decisões disciplinares oficiais, suspendeu o seu próprio e mais caro jogador, Cantona, God, com 4-meses-4 de castigo.

E quando chegou a penalidade da F.A. — isto é da Federação Inglesa de Futebol — que estendeu para 9 meses a suspensão, o Manchester United limitou-se a concordar, a pedir desculpa e a concluir, publicamente, que Eric, estando «profundamente arrependido», nunca lhe passou pela cabeça «justificar o seu lamentável acto com culpas alheias».

Toda a argumentação dos defensores públicos de Hulk, Sapunaru e companhia, que pretendem ver os agressores como vítimas de provocações por não-agentes desportivos, é, sem querer ofender o chamado Terceiro Mundo, um exemplo de terceiro-mundismo mental e, pior ainda, querendo fazer dos outros estúpidos.

Se os dirigentes do Porto tivessem a dimensão social e a classe inata e secular dos dirigentes ingleses, teriam sido eles os primeiros a suspender os seus jogadores e a aguardar, com pedidos de desculpa, as decisões das instâncias disciplinares do futebol.

Mas para isto acontecer era preciso que tivessem bebido muito chá em pequeninos.

OS próximos adversários europeus do Porto e do Sporting jogaram um contra o outro e empataram. Ficou num 2-2 o resultado e pode-se dizer que foi bem melhor para o Everton, equipa visitante e que vem de um início de época medíocre, do que para o anfitrião Arsenal, candidato ao título em Inglaterra e com sólidos argumentos para a grande discussão com o Chelsea e com o Manchester United.

Sorte, portanto, do Benfica em ter apanhado o Everton quando a equipa parecia não se entender no jogo colectivo e quando as suas melhores individualidades se apresentavam perras e pouco ou nada inspiradas.

Sorte do Porto se, no próximo mês, para a Liga dos Campeões, encontrar um Arsenal tão fácil de manietar como aquele que o mediano Everton foi seriamente incomodar a Londres.

Sorte para o Sporting, no seu processo de reafirmação nacional e internacional, em apanhar um Everton mais compacto e decidido porque só assim saboreará convenientemente o triunfo na eliminatória da Liga Europa.

É que, no ano passado, nos dois jogos com o Benfica, o Everton foi tão fraquinho e tão facilmente goleado que, praticamente, nem deu gozo nenhum ao pessoal.

FEZ bem Jorge Jesus em poupar Saviola no terreno pesado de Guimarães. E em poupá-lo a ter de fazer o seu sétimo golo em sete jogos consecutivos. Era demais. Também fez bem Jorge Jesus em lançar Éder Luís naquele temporal. A partir de agora, para o brasileiro não haverá jogo nem piso pior do que o de ontem. Serão só facilidades.

É incrível como ainda haja quem defenda que as raparigas que trabalham em bares não têm «credibilidade» nenhuma, ao contrário dos homens pios, e a abarrotar de «credibilidade», que frequentam alegremente os mesmos bares. No século XX muito ouvimos falar sobre estas coisinhas dos machos latinos. No século XXI, é mais uma coisinha de machos cretinos.

P.S. — Tal como Valentim Loureiro, num jantar de festa, apelou ao presidente do Supremo Tribunal Administrativo (que, corrija-se, estava ausente) para trazer a justiça do Estado para o Apito Dourado, também Pinto da Costa, noutro jantar de festa, apelou ao Secretário de Estado dos Desportos «ou a alguém do Governo» (que estava todo ausente) para «fazer um apito encarnado» contra a corrupção no futebol.

Valentim Loureiro usou da palavra na hora do café.

Pinto da Costa terá usado da palavra na hora da fruta.

2 comentários:

Jotas disse...

Tive a ler e esta mulher sim, sabe defender o clube, denunciar os podres, sabe muito, era ela que eu gostava de ver ao lado de certas personagens em certos programas.

sloml disse...

Faria certamente muito melhor figura que os que lá andam a "defender" o Benfica...